Crônicas Poéticas
Semana Especial Gênios Nacionais
Às vezes me pego numa velha cadeira de balanço a divagar sobre, nessa vida, onde é mesmo que termina o sonho e começa a realidade... Divagar é modo de dizer: mais penso no que os grandes poetas já disseram do que realmente crio coisas novas (como quando penso nos sonhos de Fellini, poeta da imagem, em seus oito e meio...). Ainda assim, teço minhas teias antes que o sono me pegue...
Em meu saudosismo quase patológico, envolvo-me na pureza (ou na idéia de que ela exista) da melodia mais perfeita e me sinto tragado pelas pastorais de Beethoven ou pelas estações de Vivaldi (aí é que a divagação fica completa!) e logo penso que antes do branco era o preto e que antes da melodia havia o batuque: passo a imaginar um preto alto, magro, desajeitado, com a cara marcada e a boca de aparência desdentada, e dela sai o mais belo som de flauta, tão bonito quanto uma pastoral ou uma estação (ou ainda uma variação bachiana), porém mais pungente – tem malícia, tem ginga, um tempero todo diferente...
E que venha o piano, o saxofone e o instrumento que for, que o preto toca! E arranja (coisa nova até então) e compõe e orquestra para quem não sabe ler partitura e reinventa a música que antes só se via branco tocar... E segue o sonho, com o preto sendo aplaudido pela brancarada de todo lugar, de Paris a Buenos Aires, com Vila Lobos, Stokowski e Gnatalli a se babar - até o rei belga vinha se encantar! E tal como um Mozart, com um Sallieri em seu encalço, o preto, por vezes esquecido, ou ainda perseguido pela bebida, foi tantas vezes invejado e injustiçado pelos Lacerdas da vida... Mas o preto, danado que só ele, acabou passando por cima de tudo, macumbou em Macunaíma, ensinou contraponto por tabela a muita gente, abrasileirou os clássicos europeus juntamente aos sambas africanos (criando um lamento novo, como num choro de criança que nasce) e ainda morreu como santo na igreja, em pleno carnaval...
Às vezes penso (ou sonho, ou divago...) se Pixinguinha mesmo existiu... Afinal, todos tantas vezes o viram de pijamas que chego a pensar se ele, ingênuo com toda aquela sua pureza, não estaria dormindo e sonhando sua música perfeita dentro de meu próprio sonho... Teria ele mesmo nascido (em 1887, em 1888, em 1933...), no Catumbi ou na Piedade? E o apelido: viria do Bexiguinha da varíola ou do Pizindim do menino bom (e teria mesmo tido ele uma avó africana?)? Eu me pergunto se esse preto batuta e genial realmente existiu ou se tudo não passou de um devaneio da Música Brasileira, que quis um dia nascer autêntica e acabou tomando carona no sonho dos acordes desse mestre...
Acho que sofro porque quero e vivo perdendo a noção da realidade de propósito... Acordo, de repente, com o tocar do telefone e me pego com uma rosa no colo, ouvindo Carinhoso no rádio antigo, divagando tristemente naquele tempo maravilhoso que não vivi, a me embalar tetricamente na grande cadeira de balanço da casa do meu tio-avô, que adorava Pixinguinha e que hoje já não existe mais em lugar algum além de nas minhas melodiosas recordações...
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