domingo, 9 de novembro de 2008



Cecília, és libérrima e exacta
Como a concha,
Mas a concha é excessiva matéria,
E a matéria mata.

Cecília, és tão forte e tão frágil
Como a onda ao termo da luta.
Mas a onda é água que afoga:
Tu, não, és enxuta.

Cecília, és, como o ar,
Diáfana, diáfana.
Mas o ar tem limites:
Tu, quem te pode limitar?

Definição:
Concha, mas de orelha;
Agua, mas de lágrima;
Ar com sentimento.
- Brisa, viração
Da asa de uma abelha.

Manuel Bandeira (Improviso, Recife, Brasil, 19/4/1886 - Rio de Janeiro, 13/10/1968)


O que dizer de Cecília Meireles? Nossa primeira (em reconhecimento) e maior poetisa? Cronista, pedagoga, jornalista, professora, dramaturga, além de mulher defensora de nobres causas, conferencista e mãe... Cecília sempre foi multifacetada e globalizada, em tempos pré-net (chegando a “decifrar” a Índia em vários de seus livros, graças a palestras e conferências realizadas no Oriente), sempre acrescentando pitadas de Simbolismo, métrica portuguesa, de Modernismo e, principalmente, um sentimento indecifrável a seus escritos em verso ou em prosa... Com um sublime interesse tanto pelos episódios cotidianos quanto pelas questões de natureza ética ou pelos problemas que cercam o homem, Cecília passeou como uma borboleta pelas letras e imprimiu em definitivo seu nome na Arte Maior da Literatura...

“O meu assombro é pensarem que eu sempre quero dizer outra coisa. Não! eu sempre quero dizer o que digo.” – Assim define tão bem sua posição diante das Letras e da vida, naquela que é de minhas crônicas favoritas, “O que se diz e o que se entende”, do livro homônimo lançado após a sua morte. Sobre esta pérola em crônica (que só não publico aqui, in litteris, por não ver disposta em lugar algum da internet), tão bem resume a escritora Valquíria Gesqui Malagoli:

“Tendo solicitado ao balconista um objeto azul, a protagonista ouve: 'A senhora quer dizer... verde?'. No final desse primeiro ato, após certa contrariedade, triunfa a compradora, pois, trazido ao balcão o tal objeto, eis que aquele se exibe... azul! Segunda cena. Cenário: loja de brinquedos. Ao pedir um caleidoscópio que da rua vira na prateleira, dá-se outro fato interessante: 'A senhora quer dizer... tubo?', diz, corrigindo-a, a vendedora. Bem, desta vez, embora se tratasse realmente de um caleidoscópio, considerando o quanto era sem graça, 'bem merecia ser tratado como desprezível tubo'. Nova confusão ocorre quando a mulher quer comprar papel impermeável, mas é informada pelo jovem atendente de sorriso profissional: 'A senhora quer dizer papel metálico?' 'Não, eu quero dizer papel impermeável mesmo'".


Pois que Cecília era cronista, e das boas, no que prova, além da acima citada, com a sensível “Conversa com as águas”:

CONVERSA COM AS ÁGUAS

Na verdade, eu ia conversar com a estátua que fica no meio da praça, alta e solene, toda cercada de símbolos. Àquela hora da tarde as crianças voltavam das escolas próximas; crianças do curso primário e do secundário: cachos negros, tranças louras, uma grande festa de risos vermelhos e róseos, beirando os gramados e subindo musicalmente para as nuvens, entre as montanhas e o mar.
Certamente, a estátua teria coisas interessantes a dizer-me, sempre ali parada, vendo deslizar todos os dias à mesma hora tanta criatura engraçada cheia de ciência nos livros e de alegria no rosto – pois eu, só meia hora num banco, já sentia um tumulto imenso de idéias dentro de mim. E isto sem falar que os olhos das estátuas são olhos eternos, e vêem, com seu olhar imóvel, todas as coisas que se agitam na nossa mobilidade triste de prisioneiros da vida misteriosa.
A minha dificuldade na conversa decorreu simplesmente da diferença de nível: a estátua se alcandorava num pedestal majestoso, e eu, bicho humilde e mortal, apenas avultava entre as folhas e as flores. Minha voz, esta que uso todos os dias sem alto-falante, não poderia chegar tão longe. E, além disso, as estátuas têm ouvidos de bronze.
Mas, quando se tem vontade de conversar, qualquer interlocutor pode servir. E, quando abaixei meus olhos melancólicos, encontrei as águas, que são o contrário das estátuas, por fluidas e transparentes, e cuja eternidade não é a do estacionamento, mas a da sucessão. As águas são mais falantes que as estátuas: estão sempre murmurando, cantando,sorrindo,chorando. E, se não observam durante muito tempo – por sua natureza andarilha-, observam muitas coisas, porque atravessam o mundo das nuvens à terra e de um a outro oceano. E com as águas comecei a falar ...”

(Cecília Meireles.Coleção Melhores Crônicas – Editora Global, pg.110 )


Mas é com a Poesia o seu caso maior, forma com a qual ficou mais conhecida, popular mesmo com livros como Romanceiro da Inconfidência, de 1953 (cujos trechos lindamente musicados por Chico Buarque ficaram famosos) e Viagem (1939), um de seus melhores e mais premiados (e meu favorito) e com poemas inesquecíveis (como o sempre tão lembrado Motivo: "Eu canto porque o instante existe/e a minha vida está completa./Não sou alegre nem sou triste:/Sou poeta.")... Difícil citar aqui apenas um poema, participando da Blogagem Coletiva da Leonor Cordeiro (ainda que atrasado, mas ainda "atual" na homenagem, uma vez que o intervalo entre as suas datas de nascimento e de morte se deu, respectivamente, entre 07 e 09 de novembro – esta última, no ano de 1964), mas aqui vai a "minimalista" Canção Mínima, além do famoso trecho do belo poema Marchas, adaptado, musicado e cantado por Fagner (que se ouve ao fundo):

Canção Mínima
Cecília Meireles

No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;

no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta.


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Para conferir o poético blogue da Leonor Cordeiro, bem como conhecer os demais participantes da Blogagem Coletiva sobre a Poetisa Maior Cecília Meirelles: basta clicar no selinho acima.
 

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