segunda-feira, 15 de março de 2010


"Quando conheci o Glauco fiquei duplamente feliz. Primeiro porque ele trouxe um certo alívio ao humor brasileiro e segundo porque, enfim, havia encontrado um nariz maior que o meu. Aliás, muito maior. Tanto que ao desenhar sempre borra de nanquim a ponta do dito cujo.

Mas deixando o nariz de lado – o que é difícil devido ao seu tamanho – Glauco chegou arrasando. Os carrascos habitavam com desenvoltura o humor brasileiro. Nós, cartunistas, com raras exceções, tratávamos essas repelentes figuras como um monstro invencível. Efeitos de uma época. Mas Glauco apareceu com um cartum onde o torturado, pendurado pelas mãos por fortes correntes, estica a perna para alcançar o traseiro do sisudo carrasco e, com cara de safado, diz: “Bundão, hein!?”. Quebrou tudo! Foi-se pras picas toda aquela oposição respeitosa que fazíamos nos últimos anos do governo Geisel.

Não sei se é pelo comprimento de seu nariz, mas Glauco está sempre na frente. Seus bonequinhos saltitantes, neuróticos, cheios de membros (braços e pernas, não me entendam mal!), têm todos a mesma cara. Sim! É verdade. Nos cartuns do Glauco tanto o oprimido quanto o opressor têm a mesma fisionomia. Eles trepam, brocham, escovam os dentes, fazem cocô, têm medos e se borram todos. Nosso demônio narigudo não perdoa nenhum dos dois. Ele simplesmente mostra o quanto é ridículo esta coisa chamada ser humano, seja ele poderoso ou não.

Depois de tanta galhofa ficou besta aquela postura de humorista deputado. Glauco, em companhia de seu nariz, desarticulou o aparelho e tornou públicas nossas fraquezas. Mostrou que humorista só presta mesmo pra fazer humor e mais nada. Fodamse as palavras de ordem porque agora o nervo está exposto, e se alguém abaixou as calças e mostrou a bunda este alguém se chama Glauco, que, diga-se de passagem, não tem lá uma bunda das melhores. Mas nem Glauco nem seu nariz sabem de tudo isso. Parece que fazem tudo na orelhada. Melhor assim. Caso contrário se tornariam uns chatos.


* Fragmento do prefácio de Angeli para a primeira edição das Abobrinhas da Brasilônia de 1985.

Que ironia: poucos dias depois de acabar de ler este ótimo e mais-que-atual livrinho de bolso que comprara na banca (LPM Pocket, 1985, R$ 11,00), com uma boa seleção de tirinhas deste inovador cartunista, Jandira me surge à porta e diz o que acabara de ver na televisão: "Glauco foi assassinado!"...

Meu Deus... Tudo bem, como querem alguns médicos, o daime não tem nada de santo; mas daí a atribuir ao chazinho do diabo (ou de Maria, como quis a santa alucinação do maranhense desbravador "Mestre" Irineu, na Amazônia de meados do século passado, que descobriu o daime com índios e o elevou a uma "fundamentação cristã") os efeitos psicóticos de um jovem transtornado pela loucura das drogas me parece um pouco demais... Mas assim parece querer sua família, acusadora de todo o resto, menos de sua falta de atenção para o filho-problema... Não foi assim para o mais-que-boa-praça Glauco, gente finíssima, cronista dos traços rápidos e desenfreados (mil braços e pernas, entre os narigões autobiográficos repetidos entre todos os personagens), benquisto, admirado e em paz no meio das HQs provocativas nacionais e de seus artistas (como o amigo Angeli, com quem pintou e bordou como um dos Los 3 amigos na revista Chiclete com Banana), especialmente na "então-em-abertura" década de 80 e que, até hoje, era atual com seu humor anárquico e seus personagens impagáveis (Geraldão, dona Marta, Doy Jorge etc.) - este, infelizmente, pagou com a vida um preço alto por abrir suas portas a uma sociedade alternativa, com esperanças de um mundo melhor, fosse pelas suas tiras sempre provocadoras da caretice generalizada, seja pela filosofia purista de indígenas pós-modernos...

Que restem estes desenhos (algumas tiras do próprio Glauco, outras extraídas do 'blog' Universo HQ, onde alguns cartunistas prestaram-lhe últimas honras), numa derradeira homenagem a um grande artista que se foi rápido como o trocar de mil pernas de um Gerladão inocente e boa-vida...





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10 comentários:

Érica on 16 de março de 2010 às 14:47 disse...

Tanto para as tirinhas, quadrinhos ou HQ's (como preferir), quanto para as crônicas jornalísticas, houve uma grande perda sem dúvida, de um cara engraçado, profundo crítico e que sabia como poucos ironizar a vida cotidiana e os hábitos urbanos.

Foi tortura seguida de morte, coisa de gente psicopata; eu não acredito mesmo que seja tão evidente que essa tragédia esteja relacionada ao Santo Daime, (que de santo não tem nada) eu conheço pessoas que praticam o Daime, e sinceramente, nunca vi, nem ouvi falar que corrompa tanto assim a capacidade mental, de consciência. Isso foi um surto psicótico.

Então, espero que esse louco drogado e possuído receba o que merece, eu fiquei muito impressionada com tudo isso.

Enfim, beijos!

Unknown on 16 de março de 2010 às 15:01 disse...

Dilberto,
mais uma vez somos obrigados a assistir, passivos, a violência, nos subtrair uma pessoa prfoa da cuyltura nacional.
Perguntoi: Será quye esses atos nunca terão fim?
Não tenho a resposta e acho que nibnguem a terá.
Que pena!

Ruby on 16 de março de 2010 às 16:14 disse...

É uma grande perda, Dilberto e algo sem explicação, como pode, matar só por matar , e mais uma vez as malditas drogas como plano de fundo, o que pensar, que ele se foi e ol filho junto e o autor logo mais pode andar a solta.Essa da formação de quadrilha é mt boa!!!

Marco on 16 de março de 2010 às 17:55 disse...

Que morte estúpida... Que coisa triste... O Glauco era um dos mais talentosos cartunistas de sua geração. Quando ele se unia ao angeli e ao Glauco, aí eram que nem The Beatles.
Foi uma tristeza muito grande. Espero que Deus o guarde.
Pois é, primo. Voltei. aos poucos, ainda estou enrolado com trabalhos. Mas vai dando para visitar os amigos.
Sobre o Dodô, você faça o favor de não despejar o seu lixo sobre o meu quintal! Não tem essa de "nova contratação do Flamengo"! Fique com o seu buxo, por favor! espero que ele tenha aprendido como se bate pênalti com o Imperador.
Seu time é freguês do meu. Nenhuma novidade. Você bem sabe que o vasco faz parte da cadeia alimentar do Flamengo...
Quanto ao que você comentou no Antigas Ternuras sobre a cena do Guerra ao terror. olha, se fosse como você escreveu, não tinha me chamado a atenção. Mas posso estar errado.
carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Thiago Leite on 17 de março de 2010 às 10:11 disse...

Para ser sincero, não conhecia bem o trabalho de Glauco. A primeira vez que vi de (mais ou menos) perto seu trabalho foi quando o Cartoon Network, em seu quadro [adult swim], apresentou algumas animações baseadas em Geraldão. Mas não tive muita vontade de conhecer mais. Sei que Inês adora, e eu até lhe dei uma coletânea de Geraldão da L&PM Pocket, mas continuo sem conhecer muita coisa dele. Estou vendo mais de seus trabalhos agora, depois de sua morte, em vários sites e blogs que o homenageiam. E tenho a impressão de que estive perdendo a chance de me divertir bastante com seu humor.

Mas vou remediar isso.

Luma Rosa on 17 de março de 2010 às 16:00 disse...

Que desperdício de vidas! E que vida malvada que tira a vida de gente de bem! Mas aquilo não é somente loucura de drogas e daime. Aquilo é genético, já! Agravado com drogas e tals. Loucura da alma!
Pelo menos a vida de Glauco não passou em branco! Será lembrado por muito tempo ainda! Mas esse 'coiso' logo mais, quando a lucidez chegar, viverá o inferno em vida!

*Me explica direitinho sobre o echo, por e-mail. O que quer?

Boa semana, manoamado! Beijus,

Soninha on 18 de março de 2010 às 09:00 disse...

Olá, Dilberto!

Ficamos sem o humor simples de Glauco.
Com piadas inocentes, mas, cheias de malícia, típicas dos pós ditadura, que tinham um jogo de cintura ímpar para poderem expressar suas opiniões sem incorrerem em pseudos crimes, aos olhos do governo...
Ficamos órfãos...
Mas, com a herança de Glauco que sempre nos divertirá ao relermos suas tirinhas sensacionais.
Junto-me a você neste preito ao Glauco.
Nossa gratidão por tudo que ele nos deixou e nossa prece aos familiares que ficam sem ele e sem o filho, numa dor imensurável, da qual somos solidários.
Valeu a homenagem, Dilberto.
Excelente trabalho a você.
Bom final de semana.
Muita paz! Beijossssssss

Игорь on 18 de março de 2010 às 21:02 disse...

Oi Dilberto

Lembro da minha primeira tirinha do Glauco .

Folha de SP - Suplemento da Ilustrada - na última página a coluna Vira Lata

" Hic Hic seu baconheiro !!" . Foi algo assim ...

Abraços

Canto da Boca on 19 de março de 2010 às 02:31 disse...

Sabe Dilberto, a vida anda numa absurdidade sem fim. Mas quero destacar a sua crítica com relação à desatenção da família ao "filho-problema", e que a culpa recai em todos e em tudo, inclusive no chá,
"Daime", Senhor, capacidade para entender esse mundo, suas contradições e toda sorte de violência banalizada.

Abraço!

Paterson Franco on 25 de março de 2010 às 11:37 disse...

retribuindo a visita...

eu tava no exterior e peguei o bonde andando desse caso glauco, mas o chá de ayuhasca (ou santo daime, como preferirem) não tem culpa no cartório. eu mesmo o tomei e não senti absolutamente nada, embora acompanhei vários casos em que pessoas tiveram viagens alucinantes, coisa e tal, e, em nenhum desses casos vi gente capaz de cometer crimes. já o mesmo não se pode dizer da cocaína, do crack, da cerveja...

 

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