quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Em Brasília, Dezenove Horas..."


Meados dos anos 80, menino aplicado nos estudos, primeiro na classe - comum mão passando no cabelo liso fininho e aquela pergunta sempre acontecendo: "O que você vai ser quando crescer?"... E o filho para a mãe: "Como é mesmo o nome daquela pessoa que desenha casas e prédios?", ao que a mãe, prontamente, "Arquiteto, meu filho!"...

O tempo passava e os desenhos de casas e prédios, especialmente imitando aqueles traços incríveis do Congresso Nacional, do Palácio da Alvorada e daquela estranhamente bela Catedral, iam turvando na mente, já se perguntando outra coisa: "Qual seria a melhor profissão para quem ama a Língua Portuguesa e o escrever, mas não quer morrer de fome como professor de Redação?" - ao que ela, novamente, prontamente respondia: "Faça Direito! Redigirás excelentes petições e farás bonito numa audiência, com tua boa oratória!"...

O tempo passou, o moleque cresceu e passou em Arquitetura e Direito, sendo professor de Redação no colégio onde estudara a vida inteira... A Arquitetura foi ficando para trás com o tempo e a faculdade, abandonada; a Redação se perdeu com a voz e com as neuroses entre os alunos mimados, restando só de forma artesanal pelos papeis e pelas telas virtuais da vida; o Direito foi perdendo a magia e hoje, diante de milhares de petições que engarrafam o ineficiente Judiciário, qualquer estilo de literatura forense se perde sem a menor importância para um juiz preguiçoso e sem nenhuma vontade de fazer Justiça...

Mas uma coisa nunca mudara na mente envelhecida e hermeticamente modelada pelo dia-a-dia: Brasília e sua influência de curvas e formas continuaram a marcar presença na forma poética de se interessar pela vida - tanto que se apaixonou quando viu tudo de perto! As avenidas largas, longas e eficientes com seus fins em "tesourinhas"; sua "montagem" de espaços incrível, bem harmônica na ocupação pelos seus prédios (mesmo os "sem graça", os que não eram do Niemeyer); seu plano urbanístico inspirado (injustiça: pouca gente se lembra do Lúcio Costa...); seus laguinhos em cada prédio (o ar é muito seco) e suas lagoas artificiais fabulosas; sua atmosfera estranha, seu tempo louco (que alternava sol forte e tempo seco com chuvas de granizo)...

E o estranho encantamento não parava por aí: a questão histórica, verdadeiro desbravamento do sertão central planaltino do País pelo "infante" Kubitscheck, sempre impressionou e trazia de volta a História das entradas e bandeiras, sem esquecer gente bem mais antiga, como o Marquês de Pombal, que cogitava trazer a capital portuguesa para o interior central do País já no século XVIII... Sem esquecer a Política, "o lugar onde as coisas acontecem", como costuma dizer um amigo de lá! Pena que a Brasília que nem bem nascia já via suas entranhs ocupadas por usurpadores de farda e porrete na mão, para tudo transformar... E os nababescos obeliscos e imponentes construções com "jeitão futurista de anos 60" (aqueles cheios de vidro à Corbusier, pilotis e enormes salões com carpete verde e sofás de pés-de-palito...) viram e vêem, até hoje, uma espécie de neblina feia de sujeiras feitas por gentes engravatadas que, além de mancharem a boa Política de Aristóteles, sequer ficam a semana inteira por lá: uma imagem injusta com uma cidade tão bela e com um povo tão simpático e descolado...

Engraçado como Brasília e aquele garotinho (sem esquecer aquele jovem pré-universitário, que se maravilhou quando, por exemplo, enfim entendeu o formato do "avião" em que o DF está erguido - como um 'x' que marca o lugar - numa maquete logo abaixo da Praça dos 3 Poderes mostrada por seu tio Milton) têm revivido em histórias nesses últimos tempos em minha cabeça... E uma delas envolve a capital do poder e um longínquo 22 de abril de minha infância em São Luís: o feriado de Tiradentes havia caído no domingo; consequentemente, na segunda, voltaríamos normalmente para o batente da sala de aula... Mas um velhinho, que seria o novo presidente e que já havia passado por inúmeras cirurgias (toda hora vinha aquele chato barbudo para a frente da televisão, cortando meu Esqudrão Classe A, para anunciar uma notícia ruim), enfim morrera! Então o dia seguinte seria feriado: oba, Praia! O engraçado é que fez sol, a praia estava boa, mas algo de triste pairava no ar e eu não entendia bem o porquê...

Até que em certo momento, o pai, sempre calado, pronunciou-se: "Que coisa, não? O 'velhinho' morre e o povo vai para a praia, nem se tem mais respeito!"... E não era só por causa daquele hino chatamente chorado por Fafá o dia inteiro na TV que todos estavam com aquele jeito murcho: a esperança de dias melhores, das tão sonhadas Diretas e o medo, naqueles tempos de transição, alimentava a melancolia de todo mundo, ao ponto de esquecer que, na verdade, não morria nenhum "herói nacional" (coisa popular na época, especialmente morrendo numa data tão emblemática para as Ditaduras como o dia de Tiradentes), mas somente um bom político "à mineira", das velhas tradições, da época do Kubitscheck, que soube rebolar ao som da música até aquela data melhor que o "Pai de Brasília"...

Cresci. E hoje, uma bela senhora com seus 50 anos bem vividos, Brasília já pode dizer que também cresceu, vendo muita coisa melhorar, especialmente ao som do bom e velho 'rock' que nasceu por lá... Pena que, só depois de velho e com o cabelo ainda mais ralo é que fui entender por que certas coisas já preocupavam tanto os "brasileiros e brasileiras" na sucessão daquela época pós-Ditadura Militar/Tancredo - e só cresceriam mais e mais com o tempo a partir dali, ao ponto de manchar tanto uma capital tão bonita, sujando-a com podres fios de bigode, quanto dominar um estado (e um País) por anos a fio...

Oremos para Deus e os anjos dos céus de Brasília por dias melhores vindos de lá...
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18 comentários:

Érica on 20 de abril de 2010 às 18:16 disse...

Um olhar de carinho sobre um passado saudoso. Num momento que os olhos fotografa a paisagem para ssatisfazer a memória. Tudo para poder existir, no futuro, textos assim, simples, sinceros e que deixam saudade até em quem não viveu nada disso.

Beijos e bom feriado.
:**

Jens on 20 de abril de 2010 às 18:55 disse...

Oi Dilberto.
Belo e sensível texto, mesclando lembranças pessoais e reminiscências da nossa história recente. Parabéns.
Sobre a morte do "velhinho" o que me marcou foi a ascensão do seu sucessor - o teu conterrâneo bigodudo de triste memória que, por pouco, não retornou ao Palácio do Planalto.

Um abraço. Bom feriado.

Helô Müller on 20 de abril de 2010 às 22:03 disse...

Que linda homenagem, trazendo com ela, o seu passado... Lindo mesmo, e de uma sensibilidade ímpar!! Coisas de Dilberto... rs
Por coincidência, estou aqui, em plena capital do País, desde o dia 08 de abril, e ficarei até o dia 11 de maio! Vim lamber minhas crias que aqui residem... Hj mesmo, andando sozinha pelas vias de Brasília, olhei para o céu já anoitecendo e não pude deixar de apreciar o "azulão brilhante" do lindo céu desta cidade!! O por do sol tb é "uma coisa", de tão lindo... Well, ainda bem que as coisas feias, ficaram por conta dos engravatados e não do espaço físico da cidade! Brasília mereceria ser visitada por todos os brasileiros, que depois iriam embora para as suas cidades respectivas, com a lembrança na retina, de um panorama totalmente diferente de qualquer lugar desse Brasil varonil de anil!! rs Brasilia é única...
Bj, querido!!
Sempre é bom saltitar pelas suas bandas!!rs
Helô

Ilaine on 21 de abril de 2010 às 08:10 disse...

Dilberto, que lindo texto. Acompanhei de mãos dadas a trajetória do menino em seus sonhos e planos... quando crescer... Dilberto, conheci Brasília em janeiro deste ano e gostei muito. Eu me emocionei ao passear pelas largas avenidas e ao ver a arquitetura fascinante de Niemeyer. Há muito sonhava em conhecê-la. Cidade da gente! Brasileira!

Beijo

Beti Timm on 21 de abril de 2010 às 14:45 disse...

Finalmente cá estou!! nem vou falar pq não conseguia entrar aqui, pq é tão ridículo e provavelmente terás um ataque de risos! Portanto segredo de estado!!

O menino sonhador se tornou um homem talentoso e com uma sensibilidade, que desde o primeiro momento me encantou! O menino ainda está dentro de vc! Não o perca, ele é a sua essência!

Beijinhos e saudades!

Voltarei!!!

Игорь on 21 de abril de 2010 às 18:36 disse...

Olá Dilberto

Post muito inspirado .

Lúcio Costa tem vários prédios residenciais projectados no Rio de Janeiro ao estilo que antecede Brazilia

Abraços

Marco on 21 de abril de 2010 às 18:40 disse...

Caro primo,
não sabia de suas pendências por arquitetura...
Pois é. Brasília tem uma looonga história. Nos últimos três meses, estive enterrado até os cabelos num projeto de livro sobre as origens de Brasília. Ele foi lançado na segunda-feira passada. Escreverei sobre ele no próximo post do Antigas Ternuras.

caverna on 22 de abril de 2010 às 14:04 disse...

Belo texto e bela homenagem à mais bela das cidades. Eu, que sou um brasiliense fanático, detesto a má fama que a minha cidade ganha devido aos políticos que eventualmente aqui "trabalham". Brasília é tão mais do que isso, que o pessoal de fora muitas vezes não entende.

Também escrevi um texto especial sobre essa cidade no meu blog: http://ahoradotrempassar.blogspot.com

Um abraço!

Anônimo disse...

Você arrasa, sempre!!
sabe, a morte do velhinho me marcou muito, talvez pela cara daquele barbudo que, quando aparecia na TV os adultos me mandavam fazer silêncio, e talvez porque, aos dez anos de idade, eu já era capaz de perguntar - e entender as respostas- sobre a importãncia daquele momento.
De Brasília, me lembro bem o fota de, nos anos 80, poucos terem de fato nascido lá. Hoja tudo mudou. Brasilia é uma senhora que já tem filhos de até 50 anos, e muitos, muitos netos. E eu ainda não apareci por lá.
estou quase boa, tão quase boa que vou te dar uma esculhambação: PARA DE SER ANTI-FLAMENGUISTA!! eu não li o texto das bolinhas todo, parei na hora da roubalheira contra o vasco. Fala sério, Dilberto!!
Mil beijos, ótimo final de semana...

Marcelo on 23 de abril de 2010 às 18:47 disse...

Caro amigo Dilberto, tambem amo a arquitetura mas sou pessimo em exatas....minha mãe queria que eu fizesse direito e eu queria ser caminhoneiro...queria ser jornalista mas não gosto das regras gramaticais...fui fazerr publicidade pq é mais divertida...letras mais engraçadinhas com ilustrações e videos....adoro Brasilia...a folclorica que é aquela do "poder" e a real...que tem o cheiro e a vegetação do serrado, frango com pequí e um céu que não parece terr fim...belo texto!

tenho uma dúvida, Tancredo realmente salvaria a nação?

abs

Unknown on 25 de abril de 2010 às 18:46 disse...

Que belo texto e que homenagem linda feita a essa cidade tão bem planejada.

Como você tem uma memória prodigiosa. Lembrar de seus planos de adolescente e falar com sabedoria da cidade e dos seus 50 anos.

Tirando o frio e os acontecimentos desagradáveis dos políticos. Ela continua bela.

Beijos da mame.

Claudinha ੴ on 25 de abril de 2010 às 19:32 disse...

"Dias melhores pra sempre"...

Olá Dilberto!

Parece que estava lendo um texto do meu irmão. Na mesma época, o mesmo encantamento. Na casa de minha mãe ainda se encontram rabiscos imitando a arquitetura de Brasília. No caso dele, esta foi a escolha de carreira e de vida.
Indiscutivelmente, Brasília evoca um sentimento de patriotismo, verdadeiro ou mesmo momentâneo. Pena que parece que isto só acontece com o povo e não com quem está no poder!
Um beijo!

Márcia on 26 de abril de 2010 às 13:21 disse...

Uau!
Dil filhote, que textão... ;)
Gostei das comparações e considerações, parabéns.
beijos carinhosos

Soninha on 27 de abril de 2010 às 11:17 disse...

Olá, Dilberto!

Devo lhe dizer que este é um de seus mais belos textos deste ano.
Maravilhoso.
Acampanhamos seus sonhos e sua trajetória.
Rimos e choramos com você.
Relembreei tantos momentos, você nem imagina, amigo!
Tantas lágrimas derramamos, com a morte do velhinho, lutando para não enterrarmos nossa esperança...esta, não! Me recuso. Jamais a enterrarei.
Sonho por uma Brasil melhor, mais justo, mais solidário...
Um dia, o teremos.
Adorei, Dilberto!
Foi mágico. Pode crer.
Boa semana. Bom trabalho.
Muita paz! Beijossssssss


PS: Sinto sua falta no Roda. Seus comentários pertinentes são importantes. Apareça, ok?!

Anônimo disse...

Brasília é onde escolheram para situar todo o aparato político, mas o lixo vem do Brasil todo. Aqui deveria ser conhecido com algo muito melhor do que isso.

Gostei do texto, viajei por ele, muito bom!

Beijo.

Ricardo Campos disse...

Oi Dil,

Um texto que traz para o presente boas lembranças de sonhos não realizados totalmente, nostalgicos por reviver, revisitando Brasília, algo que é belo por natureza, planejado e arquitetado como a maior obra da engenharia brasileira; uma cidade inteira capaz de encher o cerrado de migrantes de todos os cantos do país. Mas hoje, na minha opinião, olhando de longe, a cidade é apenas símbolo de uma burocracia e vazio existencial. Políticos e funcionários públicos encastelados em seus prédios simetricamente bem elaborados, visitando shoppings, lagoas, em uma ambiente seco que quer ser paraíso, pouso intergalático para naves de ufos (segundo ufólogos e misticos, Brasília é um símbolo místico). O DF é uma cidade estranha. Uma Las Vegas onde os cassinos são simpolizados pelas jogatinas políticas. Talvez exista vida em Brasília (mas tem que pagar caro, o custo de vida de lá é um dos maiores do país). Mesmo assim, parabéns! Sua arquitetura é exuberante, um tanto disfuncional, mas linda, cheia de curvas e apontadas para o céu! Voe cidade, e deixe de lado sua corrupção e leve como passageiros apenas aqueles que estão em sua órbita, os moradores-satélites! Jogue no chão todos os políticos pós-JK. Será que algum deles merece voar junto, ainda?

Canto da Boca on 27 de abril de 2010 às 20:03 disse...

A narrativa é impecável, consegues nos levar para a arquitectura dos seus pensamentos, por cada linha neural traçada com esmero e emoção.
Acho muito correcto citar o Lúcio Costa (quase sempre relegado a um segundo plano, como se todo o mérito e concepção da cidade coubesse apenas ao Niemeyer, muito justa sua informação). Nao discordo em absolutamente nada sobre os traços modernos, "futuristas", esse olhar à frente do seu tempo, essa consciência de utilização de espaço com beleza, arte e funcionalidade... Mas Brasília não é uma cidade que me provoca, que me faz desejar conhecê-la, dela conheço apenas o aeroporto, é insano, eu sei, mas a política que se faz nela, resvala em mim como essa ausência de desejo, esse desquerer amoroso, que envolve quase toda a gente do Brasil. O que gosto nela, é o primoroso pensamento de um dos seus criadores, quando vai ou está concebendo uma obra: "Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein" - Oscar Niemeyer. É isso que me atrai em Brasília, a poesia e a sensualidade, com a qual os arquitetos nos brindaram. Mas claro, comemoro com todos e parabenizo a cinquentona mais famosa do país.

Abração!

quezia disse...

Martin Luther King dizia que o que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons...então nunca devemos nos conformar, porque se o fizermos, nos curvaremos e deixaremos que tudo em que acreditamos morra conosco.

 

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