sábado, 26 de novembro de 2011

"Um lindo Lago de amor"...


Para o "amigo", onde quer que esteja...

O ano era 1997. Não, acho que era... 1998, era, sim. Eu convidei Jandira, minha então namorada de "retomada" (havíamos terminado anos antes e naquela época meio que retomávamos nosso enlace para até hoje), para irmos ao Teatro Arthur Azevedo ver um dos meus "ídolos" de admiração de sempre, Mário Lago, com um ' show' ambientado num botequim e dirigido por seu filho, Mário Lago Filho, sucesso no Rio no ano anterior e agora visitando, enfim, minha humilde e provinciana São Luís. Acho que o nome do espetáculo era "Causos e canções de Mário Lago", mas não tenho certeza... Sabe, minha memória não costuma falhar, mas... Faz tanto tempo...

Era a primeira vez em que víamos um artista consagrado ao vivo. Jandira até sabia do "conjunto da obra" e de algumas marchinhas dele, mas eu o conhecia, sempre admirara sua completude artística! Afinal, de alguém que fizera faculdade de Direito (tal como eu o fazia então) partirem tantos num só, era algo de se louvar: gostava do ator, do compositor de clássicos imortais, do poeta... Do homem simples, comunista e agnóstico ("Deus até está lá, mas é grande demais para que eu pense nEle", declararia certa feita) só não conhecia ainda o lado dramaturgo ou roteirista, mas era questão de tempo. E ele estava ali, entrando no palco de um Arthur Azevedo longe de estar cheio, com sua figura longilínea e sua bela elegância inglesa, de microfone na mão, cantando... Não, acho que as cortinas se abriam com ele já sentado e quem começava cantando era Chamon, cantor carioca que lhe servia no espetáculo como "escada" para a narrativa dos tais causos do título, além de cantar a maioria das músicas (sendo apoio para o velho Lago nalgumas em que este se botava a cantar ainda bem afinado, do alto dos seus oitenta e tantos anos de então)... Ou eles começavam conversando sentados a uma mesa, em volta de músicos também sentados, todos como se estivessem num típico bar carioca... Diacho, não tenho certeza!

Mas tenho certeza absoluta de muitas outras coisas naquela noite, como no momento em que, depois de alguns minutos de espetáculo começado, os funcionários da produção entraram na minha cabine de balcão, bem acima e mais longe do palco (éramos meros estudantes, tínhamos que comprar lugares mais baratos - e com meia-entrada!), avisando que, devido ao grande número de lugares vagos (como podiam os ludovicenses deixar vazio um teatro onde se apresentaria Mário Lago?!), Jandira, eu e os outros da nossa cabine poderíamos ocupar qualquer outro lugar do teatro - Ah, como era melhor ver o velho Lago mais de perto, sem ser aquela figura transcendental e atemporal que só via da TV, sempre alvo e um tanto etéreo (como naquelas lindas cinematografias de Geoffrey Unsworth)! Ficamos na plateia! Ou... Ou teria sido na frisa?

Mais certas ainda são as emoções que posso reviver até hoje, ao relembrar os causos contados com maestria por Mário Lago (muitos deles por mim já conhecidos - mas como era melhor ouvi-los pessoalmente...!) e aqueles sucessos eternos, como a simplesmente genial "Nada Além" (coautoria com Custódio Mesquita); "Aurora" (Se você fosse sincera, ôôô... ai, ai... Parceria com Roberto Roberti); "Atire a primeira pedra" - clássico absoluto de que o velho Lago costumava dizer ter criado os célebres versos "Perdão foi feito pra gente pedir" (considerados por Sérgio Cabral "Pai" como um dos mais belos da Música brasileira) com base numa brincadeira sua bem escatológica... - que compusera ao lado de Ataulfo Alves, parceria que se repetiria na ultrafamosa (e mais-que-injustiçada) "Ai, que saudades da Amélia": poxa, Amélia não era submissa (essa era "Emília", esta, sim, uma forno-e-fogão diminuída: Eu quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar Que de manhã cedo, me acorde na hora de trabalhar! Só existe uma e sem ela eu não vivo em paz: Emília, Emília, Emília, eu não posso mais, diziam os machistas versos de Wilson Batista e Haroldo Lobo, aquele, um desafeto, e este outro parceiro de Lago); Amélia era, na verdade, uma companheirona, que não perturbava quando as coisas estavam difíceis e não futilizava a vida diante das adversidades, como fazia a companheira-personagem atual da canção (em "Ai, que saudades...", Lago relembra como era bom viver ao lado de Amélia)! Belos tempos de liberdades poéticas mal compreendidas...

Mas não há nada mais relembrável até hoje do que o meu "momento-tietagem": pela primeira vez, eu falaria com um grande artista que admirava... Até então, eu sempre me perguntara sobre como eu me comportaria diante de um ídolo, como Chico Buarque ou Tom Jobim (isso, claro, até este morrer em 94): seria como quando tomei coragem e, alguns anos depois, finalmente falei com meu genial "tio" (primo do meu pai), um dos poetas-maiores, Nauro Machado, travando por completo sem conseguir mostrar-lhe meus versos? Ou seria ainda mais patético, como quando o amigo Sérgio Ronnie, deparando-se com o mestre Nelson Pereira dos Santos, acabou surgindo com esta pérola, na falta de algo melhor a dizer (e que acabou virando motivo de chacota entre nós, seus amigos, até hoje): "Sr. Nelson, o senhor sabe se o seu clássico Jubiabá já saiu em vídeo?!". Ou, ainda, como um Tom Cavalcante em início de carreira, visivelmente emocionado em receber justamente o mestre Lago em seu camarim depois de um 'show' de humor num teatro carioca... Só vendo. Então, tomamos coragem, Jandira e eu, e descemos com um pequeno grupo de senhoras que, animadamente, pediam à produção, ao final do espetáculo, para ter uns minutinhos ao lado de Mário Lago...

E lá estava o "velho" da memória fotográfica, aquele meu "amigo etéreo" (tenho minhas crenças, mas Mário era mesmo daqueles acima do bem e do mal... E próximo da minha vida como um amigo, como o era o Tom...), aquele que desde sempre me ensinara a ser "velho" no melhor sentido da paixão pela arte que faz, atemporal, e que me mostrara que era possível sair do mais burocrático e enfrentar as adversidades rumo a fazer algo de valoroso neste país de esquecidos. Cansado, bem mais velhinho do que aparentava ao longe pela TV, mas extremamente afetuoso, enquanto ele era apresentado à Jandira e a esta dizia, ao escrever-lhe um autógrafo (ela, menos ainda que eu, soube o que fazer na hora H e recorreu ao mais clichê, ré, ré), se seu nome era com 'y', uma vez que "antigamente, escrevia-se seu nome assim", eu, um pouco mais afastado (o velho Lago ainda mantinha seu jeitão conquistador e era, na hora, rodeado por mulheres, sendo Jandira a mais nova; eu simplesmente não atrapalharia...), conversava com o cantor Chamon sobre os bastidores do 'show' e sobre como aquele senhor ainda era talentoso e cantava tão afinadamente bem com sua voz apesar de um tanto mais fraca...

"Vamos gente: agora deixem o Sr. Lago descansar", dizia um daqueles afeminados funcionários do 'backstage' da produção (ou era do teatro, mesmo?), enquanto todos se despediam daquele momento marcante (especialmente para mim): apertei-lhe a mão em cumprimento (firme, como com todos os de bom caráter!), disse-lhe o manjado "sou seu grande admirador", enquanto ele ainda terminava de agradecer a todos e de brincar com o calor de São Luís: o bom velhinho estava visivelmente cansado (ainda mais com o calor desta cidade!)... Alguns anos depois (quantos, meu Deus: três, quatro?!), vinha a notícia da internação e da morte, logo em seguida: perdíamos aquele amigo com quem brevemente conversáramos um dia, Bem, você e eu... E o Brasil perdia um dos seus artistas mais completos!

Ontem soube que foi seu centenário: se estivesse vivo, completaria 100 anos de História. Justo ele, que sempre brincou com o tempo e com ele mantinha um pacto ("Tenho um acordo com o tempo: ele não me persegue, nem eu brigo com ele, e quando for a hora a gente se encontra..."), quis o destino que ele se fosse um pouquinho antes, graças a um câncer no fígado... Mas ele se mantém por aqui, tanto para os mais esquecidos, que podem vê-lo facilmente nalgum "Vale a pena ver de novo" da vida, como para os que com ele rivalizam em memória, como eu, que vivo e revivo o bom passado para dele extrair as melhores histórias atemporais... Mas e aquele autógrafo?! Eu me lembro de que fora num pedaço de papel-toalha de má qualidade jogado a esmo no camarim, não foi, Jandira? Ou teria sido diretamente nas folhas daquela tua agenda que sempre carregavas em tua bolsa? Procura aí, essa menina... Não, Bem, a agenda não era essa, acho que era a de 1997... Ou, sim, de 98, vai... Não a guardaste em algum lugar...?


As cortinas do TAA se fecham para o Meste Lago e Jandira e eu nos vamos para o tempo sem fim...
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14 comentários:

Claudinha ੴ on 27 de novembro de 2011 às 18:02 disse...

Olá meu DILeto amigo!
Temo em comum a admiração por este homem cuja obra sempre será lembrada. Mas, além de todo este patrimônio, a voz dele me encantava. Era algo de outro mundo. Dou toda razão para que retomasse seu romance com uma programação tão marcante! Um beijo procês.
Aqui nós ainda sem graça, luto pela irmão do Szafir...
Um beijo!

ANTONIO NAHUD on 27 de novembro de 2011 às 22:59 disse...

O Mário Lago foi um artista especial, único, carismático. Grande ator e compositor com o coração aberto. Lembro que ainda menino ficava encantado ao vê-lo nas telenovelas. Ele transmitia caráter, honestidade... Uma espécie em extinção.

O Falcão Maltês

Luci on 28 de novembro de 2011 às 08:53 disse...

e se eu te contar que meu pai tinha um jeito do ML?! nunca consegui identificar exatamente o que... talvez a alegria pelo belo.
bj

Jandira disse...

Como não suspirar ao lembrar dessa noite ao lado do meu então namorado de "retomada"? rsrsrs... Ai, ai... Maravilhosamente bela foi esta noite, meu Amor. Se o Sr. Mário Lago fosse vivo, sem querer ser pretenciosa, acho que parte de nossa história de amor bem que poderia virar um causo dele ou pelo menos servir de inspiração para uma bela canção... rsrs. Texto emocionante! Beijo grande. Adorei ir para o tempo sem fim...

Suzane Weck on 29 de novembro de 2011 às 23:38 disse...

Que lindo texto meu amigo....Para mim ,Mario Lago foi daquelas pessoas que deveriam ser imortais.Grande abraço.

cineboy on 30 de novembro de 2011 às 04:02 disse...

Essa cronica valeu o ano Dilberto.Desconhecia que vc tinha ido a esse show e que tinha conhecido esse estupendo artista brasileiro chamado Mário Lago.Bravo meu amigo!Que bela escrita,que formidável lembrança!Eu admirava muito Mário Lago,acompanhei diversas novelas com ele,sei de muitas músicas feitas por ele,sei de filmes,causos,peças legendárias.Mário Lago é da estirpe de Paulo Autran,Procópio Ferreira,Paulo Gracindo dentre outros maiorais.Novamente bravo Dilberto!Que maravilha de cronica, sua melhor cronica até agora lida por mim nesse ano.
Grande abraço amigo e gostei da lembrança minha por conta de minha errática presença junto a meu ídolo do cinema nacional Nelson Pereira.Depois o reencontrei no Rio e pude falar bem melhor com ele,foi uma experiência única como a que vc teve com Jandira.INESQUECÍVEL!

Luci on 30 de novembro de 2011 às 04:15 disse...

não precisa ser dramático! eu 100pre venho...rs!
bjs

Souza disse...

Esse "velhinho" era pura poesia! Muito boa a trilha escolhida, só faltou o Mário Lago cantando, mas ouvir Roberto e Gabriel cantando Amélia não tem preço! Não conhecia a poesia dele, mas adorei o soneto que você colocou! Parabéns a você e ao Lago eternamente cheio de amor!

Érica on 30 de novembro de 2011 às 19:27 disse...

Ele era um querido. Até o jeitinho de falar, eu queria que ele fosse meu avô. Que lindo seria ouvir as suas histórias. Ai ele contaria que conheceu um rapaz em São Luiz que ficou meio sem jeito em falar com ele. rsrs. Grande homenagem, grande história cheia de boas lembranças, saudade e admiração. Sorte a sua poder ter contato com um ídolo, eu queria com Ferreira Gullar. Ia adorar ficar meio assim, nervosa perto dele. Parabéns então ao centenário desse artista tão singular, de sua história tão bonita e por sua memória tão bem partilhada neste ótimo espaço.

Beijos

Ruby Fernandes on 30 de novembro de 2011 às 22:46 disse...

Olá! Muito obrigada pela visita viu?
E olha, adorei seu texto, aliás adoro (ava) Mario Lago tb!
E sobre a Amélia, sim sou uma delas, com toda paciência e companheirismo que maridoco merece! Coisa mais feliz né não?
Mais uma vez obrigada =)
Abraço
Ruby

Jota Effe Esse on 1 de dezembro de 2011 às 14:15 disse...

Quanta coisa relembrada de uma visita de Mário Lago a São Luís! Mas ele merece, era uma grande figura humana e artística. Um abraço.

Dulce Miller on 1 de dezembro de 2011 às 15:01 disse...

ahahahaha quase surtei de tanto rir do teu comentário sobre o "outro comentário" no post sobre a cerveja! Não conheço aquela criatura e COM CERTEZA ele bebeu muitas antes de escrever aquilo, totalmente "destoado" do assunto ahahahaha!

Meu querido amigo relicário, o tempo está sendo inimigo das minhas visitas, mal consigo postar em meus blogs, me perdoa tanta ausência, tá? Vou tentar corrigir (pelo menos com você), prometo!

E eu sempre adorei a voz do Mário Lago, tenho um CD de poemas do Carlos Drummond de Andrade gravado todinho com a voz dele, muito bom de ouvir!
Falando nisso, você me deu uma ótima ideia para postar no meu outro blog, o "Coisas Nossas"! ;-)

Beijos n'alma!

layla lauar on 1 de dezembro de 2011 às 23:38 disse...

linda crônica da (sua) vida real Dilberto...

você, além do dom das palavras, tem tb o dom de envolver e emocionar o seu leitor ;)

♪nada além, nada além de uma ilusão, chega bem, é demais para o meu coração...acreditando em tudo que o amor mentindo sempre diz, eu vou vivendo a vida assim feliz, na ilusão se ser feliz♪ (me identifico) o homem que escreveu versos tão lindos, merece todas as homenagens, especialmente esta, talvez a mais bela de todas, que você prestou a ele.

mais uma vez saio daqui com a alma encantada e o coração em festa.

beijo

(eu tirei o sistema de comentários do "abre aspas", pq me cansei de algumnas pessoas sem noção e sem educação que apareceram por lá...mas gostei por demais de saber que você me visitou lá tb)

Rossana Masiero on 5 de dezembro de 2011 às 14:39 disse...

Ai, meu querido, sei que demorei, mas é que tanto gostei que nada havia a dizer que pudesse demonstrar.
"Grande demais" para comentários.

Tem uma música "Barafunda", no CD novo do Chico, que fala dessa falta de memória...rss

Grande crônica, meu amigo!

Bjs
Rossana

 

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