segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

"Mãe, o Chaves morreu...!"


Em primeiro lugar, ele não morava num barril, tampouco se chamava pelo sobrenome: a cultuada série El Chavo del Ocho queria dizer, na verdade, "O moleque do Oito", evidenciando, de cara, que o protagonista morava mesmo numa casa da vila (a de número 8, que nunca apareceu, e que teria herdado de uma senhora que o "adotara") e, na verdade, seu nome nunca seria conhecido - muitas vezes, quando alguém lembrava que chavo era um apelido, o menino era sumariamente interrompido por outro personagem, mantendo, eternamente, o segredo quanto ao seu nome verdadeiro! A esperta saída então encontrada pelo diretor de dublagem do SBT na época e eterna voz brasileira do querido "menino" mexicano, Marcelo Gastaldi (ele também dublou o Charlie Brown nos episódios de Snoopy, na mesma emissora), falecido em 1995, foi mesmo "abrasileirar" o "nome" do personagem pela sonoridade original - algo que ocorreu de forma parecida em Portugal, onde "Chavo" virou "Xavier"! A perfeita sintonia do excelente trabalho de Gastaldi e seu elenco impecável de dubladores, no ritmo preciso para acertar o tom das piadas hispânicas para o Brasil, aliado ao faro de Silvio Santos, que apostou no enlatado mexicano juntamente a um conjunto de novelas da Televisa que fariam igualmente muito sucesso, ajudaram a tornar a atração um fenômeno, que, de quadro do programa de Bozo, rapidamente conquistou o espaço principal do horário de almoço naquele longínquo ano de 1984...

30 anos depois e, neste último final de semana, o "moleque" de 85 anos deu adeus: Roberto Gomés Bolaños faleceu em suia residência de veraneio, em Cancún, na última sexta, 28, deixando tristes milhões de fãs, de várias gerações, espalhados pelo mundo todo... Mas se engana bastante quem se mostra irritado com o excesso de culto a uma série tão antiga, e com um humor muitas vezes considerado "envelhecido", e sai logo tachando tudo de "raso", "machista" ou "sem graça": esses, definitivamente, não conhecem Comédia! Afinal, Chaves é atemporal: e nem precisam os seus defensores ficar se justificando com desculpas do tipo "é porque faz parte da minha infância" ou implorando para que "se considere a época em que foi feita"... Balela! Não tem como não admitir: Chaves é mesmo, como diria o próprio Dono do Baú, "muito bom"! Humor baseado em estereótipos, jargões e desencontros entre situações repetitivas é usado desde que o mundo é mundo e, se bem feito, como o era neste já clássico seriado mexicano, será sempre engraçado e mesmo inteligente! Afinal, o rol de tipos criados por Bolaños é mais comum do que possam pensar os doutos analistas de qualquer cortiço ou favela latino-americana até hoje...

Tudo bem que, por mais antenado que fosse com a arte de unir humor ao melodrama com pitadas de crítica social num México que ainda não havia se definido como o exportador televisivo de hoje, Bolaños nunca foi Chaplin, sequer Cantinflas... Além do quê, por melhor que sempre tenha sido o talentoso humorista criador do maior órfão latino de todos os tempos, dificilmente Roberto se livrava das mesmas fórmulas consagradas em Chaves em qualquer outro tipo "diferente" que interpretava, fosse na TV, fosse no Cinema (ver El Chanfle chega a ser cansativo...)! Tampouco creio que conseguiria o sucesso alcançado com o seu pobre niño sem o excelente grupo que compunha a atração - vide o fato de que as "temporadas do restaurante", onde a ação mudou da Vila para o estabelecimento da Dona Florinda, são visivelmente mais fracas que as criativas fases anteriores, principalmente em razão do elenco desfalcado (Villagrán, o "Quico", devido a inúmeras desavenças com Roberto - dentre elas, envolvendo relacionamentos pessoais de ambos com Florinda Meza -, deixou o programa em 78, levando consigo o melhor coadjuvante do programa, Ramon Valdés, o S. Madruga). Mas, tal qual seus citados mestres na Comédia, foi um grande pioneiro, inconteste em tão bem saber aproveitar um veículo, no caso, a Televisão, para a criação de uma série cômica simples, porém certeira - apesar de algumas inserções no Cinema, o humorista jamais fez o sucesso daqueles outros gênios do Humor na Sétima Arte...

Um fenômeno previsível? Com certeza, não... El Chapulin Colorado, um pouquinho anterior, é famosíssimo entre os nerds, mas jamais obteve a mesma atenção de todas as faixas etárias - eu me lembro bem de minha mãe afirmando, categoricamente, que "engraçado mesmo era o Chaves; Chapolin era chato..."! O estilo de humor? Quase idêntico: humor pastelão misturado a comédia de costumes, com roteiros ora inteligentes, ora apenas razoáveis, com trapalhadas e mal-entendidos entre os personagens, tudo repleto de jargões e situações fartamente repetidas em vários episódios - sendo que em Chapolin havia o acréscimo da paródia aos super-heróis ianques e aos filmes B de ação e suspense... Mas a linguagem universal mesmo, aquela que envolve confusões entre vizinhos de um lugarejo pobre, com seus quiproquós do dia-a-dia e os exageros non-sense típicos do "humor do Terceiro Mundo", associado a um protagonista alvo de divertidos melodramas? Só no Chaves - que, apesar de jamais ter sido concebido como um programa infantil, conquistou em cheio a meninada por causa da inocência daqueles adultos vestidos de crianças...

E agora, com a triste notícia do passamento de Roberto Bolaños, a gente se lembra que o tempo passa para todo mundo - até para quem a gente, desde menino, já conheceu velho fazendo tão bem um papel de moleque... Como diria aquela canção, Se você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda,/ amanhã velho será, velho será, velho será/ A menos que o coração, que o coração sustente/ A juventude que nunca morrerá! Não há como negar que a difícil arte de personificar um personagem infantil é inglória e injusta, uma vez que o implacável tempo pode botar tudo a perder para quem não para no momento certo - quem não se lembra de outro gênio no mister de trabalhar caracterizado para viver diferentes tipos, Chico Anysio, que, esquecido pela Globo, acabou só podendo reviver seus inesquecíveis personagens em especiais pouco antes de sua morte, no ano passado, num tempo em que o cansaço era visível e o envelhecimento transpassava qualquer maquiagem como uma cruel adaga? Pois é, Bolaños também errou a mão ao insistir no personagem-criança ainda nos anos 90, já bem gordo e muito envelhecido, ao lado de igualmente cansados Aguirre (Professor Girafales), Vivar (S. Barriga), Padilla (Jaiminho), Antonieta de Las Nieves (Chiquinha) e Angelines Fernandez (D. Clotilde) no fraquíssimo Clube do Chaves, e o constrangimento de quem cresceu com a imagem do ídolo em seu auge aos 40 era bastante incômodo - eu, pelo menos, não conseguia assistir a nada seu desta época...

Sim, concordo ser um exagero o apelido que lhe deram, de "Pequeno Shakespeare", pela facilidade em escrever tantas situações em tantos roteiros de qualidade... Mas Chespirito foi realmente grande em sua época, marcando não só o seu tempo, como inúmeras gerações vindouras com as intermináveis reprises na TV aberta - e, hoje, em vários canais pagos, como o TBS e o Boomerang. Só na minha casa, já são 3 gerações: minha mãe, eu e, agora, minha filha mais velha, de 4 anos e meio, que já curtia o desenho animado do Chaves e, sempre que vê os clássicos episódios, ri bastante com os jargões e com as recepções do menino atrapalhado no gordo que vem cobrar o aluguel... "Ah, só bobagem: esse programa ruim só virou cult porque foi reprisado tantas vezes!" - outra balela! Sim, as primeiras produções eram bem toscas em produção e cenários, e no pouquíssimo tempo em que o SBT deixou de exibir o famoso seriado (10 meses em 2004), o desespero entre seus adoradores foi tanto que a emissora se viu obrigada a voltar com sua atração-curinga - aquela que muda de horário de acordo com a audiência, posto que Chaves será sempre certeza de uns bons pontos no Ibope... Mas o que ocorre, na verdade, é que se está diante do mítico símbolo da cobra a engolir o próprio rabo: o excesso de reprises realmente contribuiu para o mito Chaves, porém... Quem fomentou tal excesso de reprises senão o mesmo público, que só foi aumentando ao longo dos anos?

Confesso que fiquei triste com a partida de Bolaños, especialmente diante dos graves problemas de saúde que vinham acometendo o grande artista de idade avançada, mas sinto que o enorme reconhecimento mundial e o farto número de homenagens, tanto em vida (emocionante, realmente, o justo e belo especial mexicano "América Celebra Chespirito", que comemorou 40 anos de carreira do comediante, já numa cadeira de rodas, em 2012) quanto postumamente, diminuíram o peso da situação (o que não aconteceu com o genial Chico Anysio!)... Já o artista Chespirito morreu um bom tempo antes, e foi ainda mais triste vê-lo velho, na mesma televisão que o endeusara, a repetir os mesmos personagens e as mesmas piadas da década de 70 nos avançados anos 90... Então fico com o "moleque do Oito", que esse não morre: a qualquer momento, mesmo depois do desespero do Quico, da Chiquinha e do S. Madruga, o pequeno vai aparecer e explicar que foi o gato, o "massacote", que se fora... O adulto que, mesmo já com algumas rugas, tão bem passava como menino, baixinho e carismático que era, e que se eternizou em seu tempo vive para todo o sempre! Serão, eternamente, os melhores episódios, ao lado de todo o elenco original, naquela Vila perdida no espaço e povoada por pessoas quase reais em seu humor por vezes artificial, porém genialmente engraçado para qualquer criança de quase 40 anos, como eu, que ainda ri ao rever o velho amigo de infância, agora ao lado de sua niña igualmente encantada... Boa noite, vizinhança: desse Chaves prometo despedir-me sem dizer adeus jamais!
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2 comentários:

Anônimo disse...

Acho que ele precisava mesmo ir, o legado ficou eterno, jamais morrerá, foi uma partida física necessária devido ao estado delicado que ele já se encontrava. Sinceramente, não me entristece a morte nesses casos, onde ela vem oportuna, levando a dor e o cansaço de tempos bem vividos, mas deixando o ídolo intacto eternizado por mais infinitas gerações. Foi-se Chespirito, ficou El Chavo, Chaves, Xavier ou quantas traduções existir por esse mundo a fora, e nossa eterna gratidão a Bolaños por ter nos permitido viver tamanha faceta. Seu texto, mais uma vez, esclarecedor e emocionante.

Abraçasso amigo!!

Cristiano

Anônimo disse...

Eu tenho 24 anos e me criei vendo o Chaves pelo Sbt. Acho que EL Chavo DEL OCHO que veio exportado do Mexico, trouxe mais do que alegrias pra nós, troxe uma mensagem positiva de fé; amor, amizade, comoção, como quando seu madruga lhe dava alguma coisa pra comer, como quando quico levou um cobertor pra ele não passar frio de noite, quando era espancado pelo seu madruga, que era nervoso por causa da penúria em que vivia. São coisas que acontecem em qualquer lugar a qualquer hora. Esse menino existe de verdade, Bolaños contou numa entrevista que esse menino engraxou seus sapatos e esqueçeu dum caderninho escrito que no mexico chamam de libreto, e lá tinham essas pessoas e este niño se encantaba con las tortas de jamon...(sanduiche de presunto)
Falando na morte, a minha vó comentou: coitado do Chaves!Eu fico triste, mas Ele viveu bastante, eu não digo só em tempo mas em qualidade, ele se realizou em tudo na vida. E imaagine que por pouco não foi abortado, ainda bem que a mãe dele não deu ouvidos ao medico. Eu digo pra vocês, o homem morre mas a obra jamais morre. O Chavo, ou Chaves, seja lá como for, é parte de nós, esteve dentro de nossa casa durante anos, o Chapolin estava sempre ajudando as pessoas do jeito dele, mas ele ajudava as pessoas... Esses jamais vão morrer porque são eternos e estão eternizados nos corações de milhoes de fãs. Quando chespirito aparecia sem a caracterização do Chavo ou do Chapolin, era um cara normal, mas quando se vestia com as roupas do guri mais amado da america latina,e do super heroi superatrapalhado era a personificação do personagem, eu sempre costumo dizer El chavo e El chapulin não eram personagens de \bolaños, eram reais, eram a extensão dele próprio no emocional de milhões de pessoas.Ele não interpretava esses papeis, Chavo e Chapulin habitavam nele existiam dentro dele. O que mais me preocupa é a dona florinda, a intransigencia dela, em não deixar nem as crianças levarem uma flor no tumulo dele. Creio que com o passar do tempo ela premita a aproximação dos fãs. Luisa.

 

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