domingo, 26 de novembro de 2017

Sinto um distúrbio gramatical na Força...

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O "Bem", o "Mal" e o "Equilíbrio"... Mas e o Português? A depender dos distribuidores de Star Wars no Brasil,
o Português será meramente o velho sujeito das piadas de burrice...

Se você não é um alienígena que acabou de chegar de uma galáxia muito (muito) distante, você, nalgum momento da sua vida, ao menos já ouviu falar na saga espacial de Star Wars - Guerra nas Estrelas... Sim, eu insisto na tradução porque, primeiro, no meu tempo de menino nos anos 80, numa época em que ainda não se forçava a barra para que todos fossem bilíngues no Brasil (era Super-Homem e não Superman...) e bem antes do infindável número de continuações e histórias paralelas sobre a eterna luta da Força contra o Lado Negro (antes do atualmente mais correto "Lado Sombrio"...), era assim que se chamava o primeiro filme, "Guerra nas Estrelas", só depois vindo essa leva de Episódios IV, V, VI (e vai para o I, II, III... pula para o VII...) e a quase "obrigatoriedade" de se chamar o "nome completo" com o epíteto original em Inglês, 'Star Wars'...

Curiosamente, mesmo nessa época de bom Português, um fato já chamava a atenção para um distúrbio na Força gramatical: em 1983, o terceiro e, até então, último episódio da saga - que viria a ser o Episódio VI... -, apresentava-se com um título no mínimo esquisito para qualquer fã da série: "O Retorno de Jedi", além do vício de linguagem conhecido como estrangeirismo, porque incorporava uma palavra estrangeira sem o devido destaque em itálico ou aspa simples (senão, o tal alienígena desavisado do início deste ensaio fatalmente leria "je-di" e não "je-dai", como no original em Inglês), apresentava um erro bem mais facilmente reconhecível, a ausência do artigo definido "o" junto à preposição. Complicou na explicação professoral? Coloquialmente falando, Jedi é um nome dado a um cavaleiro de uma ordem de poderosos guerreiros e não o nome de uma pessoa; logo, ainda que nenhum dos meus colegas soubesse definir teoria gramatical sobre o uso do artigo como definidor de um substantivo (nem mesmo eu, naquele tempo: o professor de Português viria muito depois...), ficava fácil perceber que aquele título seria bem melhor redigido como "O Retorno do Jedi"!

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Ninjas, mutantes e adolescentes... Tudo no plural!
Mas se engana quem pensa que a saga da burrice gramatical acabaria por aí e, alguns anos depois, muitos amigos e eu riríamos de algo ainda mais estapafúrdio em termos de títulos em mau Português: "As Tartarugas Ninja", tradução encurtada do fenômeno mundial dos quatro famosos quelônios devoradores de pizzas e versados em artes marciais (e muito mais legais que as atuais versões anabolizadas inventadas para o Cinema) continham um crasso erro de concordância nominal em número, uma vez que, em Inglês, chamavam-se Teenage Mutant Ninja Turtles, o que deveria ser bem traduzido para "Tartarugas Ninjas Mutantes e Adolescentes... Sim, tudo no bom e velho plural básico! Ou o distribuidor da animação no Brasil faltou na aula em que se explicava que adjetivos são flexionáveis em número (ninja é um atributo, uma qualidade de quem domina as técnicas de combate do ninjutsu) ou ele confundiu a terminologia e achou que deveria botar o segundo termo no singular porque atribuiria uma definição para o primeiro, sendo que essa regra só serve para substantivos compostos, usando-se hífen, o que obviamente não era o caso! E assim ficou: até hoje, as Tartarugas Ninja, sem o s!

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Em três tempos: tanto no diálogo com o Mestre Yoda em
O Retorno de Jedi, como na abertura e em cena do recente
O Despertar da Força, Luke é "o último jedi", no singular!
E eis que, após inúmeros outros títulos vacilantes com a inculta e bela última flor do Lácio de Bilac (como os famosos problemas pronominais de Se beber, não case, esquecido de que o verbo é casar-se, com o reflexivo se, apesar de alguns gramáticos moderninhos considerarem o pronome facultativo), voltamos para os bons e velhos distúrbios gramaticais na Força: o mais novo filme da saga (sim, porque há muito tempo deixou de ser trilogia, hexalogia, e, por ora, parece que a história dos Skywalkers se fechará mesmo numa "enealogia"), Star Wars - Episódio VIII - Os Últimos Jedi, a ser lançado no próximo mês, já incomoda pelo título... Primeiramente, pelo repeteco em tratar a palavra Jedi, de escrita e pronúncia estrangeira, como uma palavra da Língua portuguesa; em segundo, porque, assim como fizeram com as pobres tartarugas ninjas, simplesmente se esqueceram do plural da palavra jedi - que, mesmo em Inglês, flexiona-se em número, com a aposição de um s! E, em terceiro e último lugar, a tradução (ou seria a estratégia de marketing?) se descuidou de duas coisas: não há plural no título original, The Last Jedi (sem o s, portanto); e, se o infeliz criador desse tosco plural errado em Português tivesse visto ao menos um filme de Star Wars, ele saberia que "o último jedi" é uma referência comum na série a Luke Skywalker, personagem de Mark Hamill que, além de ser o herói protagonista da trilogia clássica, volta, já idoso, nessa nova leva de filmes iniciada em 2015... Logo, ainda que acertasse na grafia do plural, errariam ao mexer na própria trama intergaláctica!

E assim, como diria Damien Rice naquela sentida canção, and so it is... (ou, na igualmente estranha tradução do Seu Jorge, "é isso aí..."), então é isso: chegamos ao fim desta "saga gramatical", pelo menos por enquanto... Sabe-se lá quando as Forças do Mal da tradução tosca ou o Lado Negro dos distribuidores marqueteiros sem noção voltará a atacar com algum título esdrúxulo ou mesmo bem errado, nesta ou em qualquer outra "galáxia muito, muito distante", no futuro, hoje ou "há muito tempo" (ou o redundante "há muito tempo atrás", que, por incrível que pareça, já apareceu como tradução nalgumas cópias da trilogia original para a famosa abertura A long time ago...)! Afinal, certas coisas nesse meio de campo espacial, mesmo em se dominando os poderes da Força, são difíceis de "dibrar"... Não é mesmo, "Mestre" Ronaldinho?!
 
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Meio Jedi, meio Blade Runner, craque dos "dibres" repousa durante as gravações para um famoso comercial de cerveja.
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2 comentários:

Thiago Leite on 27 de novembro de 2017 às 14:28 disse...

Adoro essas discussões sobre idiomas e traduções. E que bom ver um post novo do Morcegos sobre o tema dos títulos de Guerra nas Estrelas!

Acho bastante pertinente essa relação entre Tartarugas Ninja e a ordem dos Jedi, pois eles tocam num assunto difícil quando se trata de tradução e adequação entre línguas com regras gramaticais diferentes, especialmente quando uma palavra passa por uma língua diferente antes de ser traduzida para outra, como no caso de “ninja”. Em japonês, não existe marca de plural em substantivos, de modo que “ninja” serve tanto para um indivíduo como para vários, e talvez, não sei, daí se tenha criado o título de “Ninja Turtles” (“ninja” não é adjetivo, mas no contexto do inglês parece ter se adjetivado neste caso). Alguns consideram que em português se deve manter a grafia “ninja” mesmo quando se falam de vários praticantes do ninjutsu, mas é claro que o uso no português, idioma que marca inevitavelmente seus nomes no plural com um S, seria perfeitamente lógico e pragmático dizer “Tartarugas Ninjas”, assim como dizemos “samurais” “mangás”, “sushis” etc.

No caso da palavra Jedi, permita-me uma “correção”: em inglês, no contexto da franquia, nunca ou quase nunca se usa “Jedis”, o plural é sempre “Jedi”, “the Jedi are warriors”, “the Jedi were guardians of the Republic” etc. Talvez isso venha do fato de se derivar de um termo japonês (Jidai Geki, um tipo de narrativa histórica sobre a época dos samurais), e daí talvez George Lucas tenha decidido manter singular e plural da forma como se fazem em japonês. Até “the Sith” entra nessa regra. Seja qual for a origem disso, o fato é que em inglês não existe “Jedis”, de modo que “the Jedi” pode ser “o Jedi” como “os Jedi(s)”. Daí o fato de alguns fãs considerarem que “Return of the Jedi” pode ser um jogo de palavras que significaria tanto “o retorno de Luke” como “o retorno dos Jedis nas figuras de Luke e de Anakin, que no final da vida voltou a ser um Jedi”, ou ainda “o retorno dos Jedi enquanto uma ordem"... Eu concordo que em português poderia ser “os Jedis” (ou “Jedais”), mas no contexto do universo de Guerra nas Estrelas a tradução de “The Last Jedi” para “Os Últimos Jedi(s)” (plural) pode estar correta, a depender da trama do filme (será apenas Luke? Ou haverá novos últimos Jedis - Rey?).

Vale ressaltar a confusão no dia do anúncio do episódio VIII: apareceu a tradução “O Último Jedi”, que foi corrigida depois para “Os Últimos Jedis” pela Disney Brasil. No entanto, posteriormente o diretor Rian Johnson disse que, na cabeça dele, é singular (o último Jedi seria Luke Skywalker)... Agora resta saber se o que o filme vai dizer é ou não diferente do que o diretor quis dizer…

Abração.

Jandira disse...

Sensacional!

 

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